O Censo Escolar 2023, divulgado pelo Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nesta semana, evidenciou a difícil situação da educação básica no Brasil. Um dos sintomas mais contundentes é a redução no número de matrículas entre 2022 e 2023, particularmente na rede pública. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, os dados refletem tanto a profunda desigualdade social no acesso à educação quanto a necessidade de aprimorar a qualidade de ensino.
“As matrículas caíram muito com relação às questões de repetência, evasão de distorção de idade e série. Um ponto é que sempre esses dados são muito mais fortes para alunos negros e indígenas e, por mais um Censo, conseguimos ver que o abandono e repetência, por exemplo, de indígenas, é muito alto”, comentou Fernanda Seidel, gerente de avaliação e prospecção do Itaú Social. Segundo o Censo Escolar, foram contabilizadas 47,3 milhões de matrículas nas 178,5 mil escolas de educação básica no Brasil no ano passado — cerca de 77 mil a menos, na comparação com 2022.
O levantamento ainda mostrou que, no ano passado, 6% dos estudantes desistiram da escola no ensino médio e 3% no fundamental. A população mais vulnerável é quem representa essa estatística. No ensino fundamental, por exemplo, a modalidade de educação com maior evasão foi a indígena (7,3%), seguido de educação especial (4,9%) e quilombola (4,8%). Já no ensino médio, quem mais abre mão dos estudos são os pretos e pardos (6,3%).
“De fato, os piores indicadores de evasão e até de desempenho estão no ensino médio. Mas a maior quebra é quando o aluno sai dos anos iniciais para os finais do fundamental. O abandono vai crescendo até chegar à taxa mais alta no ensino médio”, explica Seidel. Para ela, esse processo ocorre por diversas razões como o começo da adolescência, provável mudança de escola e transições socioemocionais — já que os estudantes passam a aprender com vários professores e a vivenciar muitas mudanças de vínculos.
Isso tudo reflete também em outra taxa, a de migração dos estudantes do ensino regular para a educação de jovens e adultos (EJA). “É como se fosse uma substituição da taxa de abandono e repetência. É muito interessante o Inep trazer esse olhar para migração, porque precisamos prestar atenção não só em quem abandona, mas para quem quer sair do ensino regular”, diz a especialista.
Transição para o EJA
Os dados do Censo mostram que, nos primeiros anos do ensino fundamental, não há essa migração para o EJA e a idade dos alunos nesta modalidade são pessoas acima de 40 anos, como é o proposto pelo programa. A partir do sétimo ano, começa a crescer o número de estudantes entre 15 e 20 anos no EJA, o que aumenta ainda mais no ensino médio.
“Isso acontece porque provavelmente o aluno trabalha ou está desmotivado no ensino regular e aí quer fazer uma coisa mais simples, mais rápida”, observa Fernanda Seidel. “É um fator preocupante a escola não estar fazendo tanto sentido para esses alunos que estão abandonando ou optando por outra modalidade. É como se a escola não estivesse sendo adequada ou trazendo o sentimento de pertencimento. Aí os mais vulneráveis são novamente minorizados”, acrescenta.
A especialista lembra que o ensino regular é importante para os adolescentes porque, para além das disciplinas, proporciona o desenvolvimento social e emocional adequado para a idade. “Esse cenário mostra uma crise dos anos finais e do ensino médio”, alerta.
Ao analisar a realidade brasileira em sala de aula, o professor do departamento de educação da Columbia University, Paulo Blikstein, ressalta os empecilhos na qualidade do ensino brasileiro. “Hoje em dia, a gente tem uma base comum curricular com muita coisa para ensinar, material didático antiquado e professores que não tiveram tempo de aprender a ensinar todas essas coisas”, diagnostica.
“Então, nesse contexto, não adianta a gente só aumentar os números [de matrículas]. Obviamente, isso é importante, mas a gente tem que olhar para as alavancas de qualidade — que é a formação do professor, a qualidade do material didático e a revisão da base para ser mais enxuta e profunda”, reflete.
Para Blikstein, as estatísticas do Inep são importantíssimas, mas é preciso ir além. “A gente tem uma carência muito grande de fazer outros tipos de aferição de qualidade que não sejam estatísticas de número de matrícula ou de provas nacionais. A gente sabe o número grande da educação brasileira, mas a gente não sabe o que de fato acontece escola por escola e a gente precisa ter muito mais pesquisa de qualidade. Ir às escolas, observar aulas, entrevistar professores, entrevistar gestores”, finaliza.
Matéria do Eu Estudante (Correio Braziliense).
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.