A Comissão de Educação (CE) debateu na última segunda, 3 de julho, o novo Plano Nacional de Educação (PNE) com foco no ensino universitário. Especialistas e gestores defenderam um “projeto de Estado” a partir do PNE, elaborado coletivamente pelos entes federativos com integração entre os ensinos básicos e superior. A audiência pública foi presidida pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT).
Na visão dos debatedores, o PNE não pode apenas apresentar uma abordagem de incrementar ou apenas atualizar o PNE vigente (2014-2024), adequando os percentuais de metas. Para eles, é preciso levar em consideração os principais gargalos identificados durante esse período, em especial, a falta de investimento, qualificação e valorização dos profissionais de educação; a ausência de integração entre as redes de ensino, sejam elas pública e privada nos três níveis, federal, estadual e municipal; além da atualização do ensino universitário às demandas do mercado de trabalho e da realidade dos estudantes
A secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Helena Maria Sant’ana Sampaio Andery, que também participa das discussões do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Educação (CNE) para avaliação e proposição de um novo PNE, disse ser preciso elevar a qualidade do ensino superior.
Na sua avaliação, a questão da qualidade do ensino superior está associada ao “crescimento vertiginoso” da modalidade da educação à distância a partir de 2017, tendo se intensificado com a pandemia de covid-19. Segundo dados do próprio MEC, 63% dos estudantes universitários, em 2021, ingressaram nessa modalidade sem que as instituições acompanhassem os investimentos e capacitações necessárias para manter a mesma prática pedagógica dos cursos presenciais.
No caso da educação a distância, os dados de MEC mostram que a relação aluno/professor é elevada. Enquanto que nos cursos presenciais do setor privado cada professor fica responsável por 46 alunos, no EAD essa média chega a 309 estudantes para cada docente.
“O que nós temos assistido é uma precarização do trabalho do docente na graduação das instituições privadas. Apesar das instituições privadas virem liderando as matrículas o número de docentes nessas instituições ele tem caído ao longo dos anos. Em 2011 havia 182 mil docentes em atuação nas instituições privadas, em 2021 esse quantitativo caiu para 149 mil e, ao mesmo tempo, o número de estudantes nessas instituições elevou-se de quase 5 milhões para quase 7 milhões nesse período”.
Os últimos dados do MEC mostram que o país tem 2.574 instituições de graduação, sendo 313 estatais e 2.261 de natureza privada ou comunitária.
INTEGRAÇÃO
Na opinião do diretor do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), Paulo Fossatti, não se pode pensar no avanço da educação superior e superação de novas metas no país sem um plano que priorize a integração com a educação básica, num regime colaborativo com todas as universidades.
“O grupo está muito preocupado com o que nós chamamos de apagão de professores no Brasil. Se a meta 15 [política nacional de formação dos profissionais da educação] tinha a grande pretensão de nós chegarmos a termos todos os professores da educação básica da rede pública com formação em licenciatura, uma formação superior em licenciatura, não é o que está acontecendo. Dados do próprio MEC dizem que 410 mil professores atuam fora da sua área de formação ou ainda não têm um título de educação superior. Ora, se nós temos capilaridade, universidades em todo território nacional, se somos 2.574 instituições de educação superior, podemos, sim, ter uma regulação que nos ajude a formar professores para todo território nacional”.
A vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), Amábile Pácios, disse que atualmente o PNE não representa uma “espinha dorsal” no sentido de ser um indutor de políticas públicas no âmbito federal, estadual e municipal porque, segundo ela, não falam a mesma linguagem. Para ela, falta integração entre os sistemas quando se trata de atendimento das metas do PNE, não havendo ênfase no que a rede privada entende ser a “diretriz do PNE, que é a erradicação do analfabetismo, a universalização das escolas e a superação das desigualdades regionais”.
Essa desarticulação também foi levantada pela presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Elizabeth Guedes. Ela disse que a falta de integração entre o ensino superior e a educação básica no atual PNE impossibilita a efetivação de uma política pública orientadora, o que leva, entre outras consequências, ao reforço das desigualdades regionais.
“Nós temos hoje programas de formação de professores que são nacionais. Eu estou ensinando em Manaus a mesma coisa que estou ensinando em Porto Alegre supondo que as crianças são iguais e têm as mesmas necessidades. E a gente sabe que não”.
FIES E PROUNI
Outro ponto abordado pelos especialistas foi o impacto da crise dos últimos anos no acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Para a representante do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Fabiana Deflon, e para a presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Elizabeth Guedes, o Fies precisa ser fortalecido e ampliado juntamente com o Programa Universidade Para Todos (Prouni).
Para elas, esse incentivo pode auxiliar no enfrentamento da evasão de alunos do ensino universitário. Os anos de 2020 e 2021 registraram os maiores índices de evasão de alunos. Cerca de 3,42 milhões de estudantes abandonaram as universidades privadas em 2021, uma taxa de 36,6%. Para elas, é preciso a modernização do marco visando atender as demandas do mercado e a realidade desses alunos.
“Se olharmos os dados do Censo, vemos que os cursos de licenciatura são os menos concorridos. E também há um grande índice de pessoas fazendo esses cursos somente no EAD. Para isso nós precisamos qualificar, investir nesse profissional. Então tem que ter políticas públicas para valorizar esse profissional tanto na educação básica como na educação superior. Nós precisamos incentivas as pessoas a fazerem esses cursos tendo em vista uma perspectiva de mercado e isso se faz por meio das políticas públicas. É importante que tenhamos um plano de carreira consolidado com os professores para que esses cursos também sejam desejados pelos alunos”, declarou Fabiana Deflon.
De acordo com as debatedoras, o índice de evasão na rede privada e comunitária está em 61%. Na rede pública, 50% deixam a universidade antes de concluir o seu curso.
RECURSOS
A meta 20 do atual PNE estabelece que em seu último ano de vigência, 2024, deveriam ser aplicados 10% do PIB em educação. Atualmente, 5,5% do PIB são investido no setor. Para o secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Henrique de Sousa Balduino, é preciso assegurar no próximo PNE a estabilidade crescente no financiamento e das políticas, que não devem ter caráter apenas de “plano de governo”, mas de política de Estado.
“É fundamental que o PNE tenha na mesa de discussão o ministro da da Fazenda, a ministra do Planejamento, a Comissão Mista de Orçamento. Porque sem essas normas legais [orçamentárias] significa dizer que é um plano sem sustentação”, acrescentou.
O diretor de Políticas e Programas de Educação Superior da Secretaria de Educação Superior do MEC concordou com Balduino. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca observou que o número de matrículas nas universidades obedecia uma sequência de aumento até 2016, quando esse índice começou a desacelerar. Com piora no período pandêmico. Dados do MEC de 2021 indicam que 70% das vagas ofertadas no ensino superior público estão ocupadas, enquanto que na rede privada essa médica é de 18,2%.
“[O PNE] envolve a questão da qualidade, a preocupação com a condição de trabalho dos profissionais de educação e técnicos em educação, a preocupação com a relação formação e mercado”, afirmou Alexandre Brasil Fonseca.
Fonte: Agência Senado