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O Programa de Financiamento Estudantil (FIES), uma das principais políticas de inclusão no Ensino Superior do país, está enfrentando ameaças à continuidade devido ao chamado “Teto do FIES”.

Atualmente, o FIES cobre no máximo R$ 8.800 de mensalidade, com um teto de R$ 52.805,66, especificamente para cursos de Medicina  (para os demais cursos, o máximo é de R$ 42.983,70). A diferença entre o valor coberto pelo programa e a mensalidade cobrada pela Instituição de Ensino Superior (IES) em que o estudante está matriculado precisa ser paga por ele.

Este é o cerne do problema: como o reajuste do teto não acompanha o custo real dos cursos, a diferença que os alunos precisam pagar mensalmente está além de suas possibilidades financeiras.

No passado, até 2015, o programa cobria 100% da mensalidade. Atualmente, no entanto, o financiamento não atinge esse máximo[1], pois a porcentagem varia de acordo com a renda familiar per capita.

Para exemplificar a situação: em um cenário em que o estudante tem uma renda familiar média de um salário mínimo e estuda Medicina, com mensalidade de R$ 10 mil, o FIES cobrirá 95% da mensalidade, ou seja, R$ 9.500. Mas esse valor está acima do teto do programa, que é de R$ 8.800. Assim, o estudante teria que pagar R$ 1.200 para cobrir a diferença.

Isso sem considerar o montante que será financiado ao longo dos seis anos do curso, que começará a ser pago após a formatura.

 

Mudanças no FIES

 

Alterar o teto foi uma das várias mudanças implementadas de 2015 até agora, com a justificativa de manter a viabilidade do programa, mesmo que isso coloque os estudantes e as IES em desvantagem e afaste o FIES de seu propósito social, estabelecido em 1999.

Há muitos relatos de estudantes com dificuldades para continuar pagando a parte não coberta pelo programa e que, pior ainda, estão contraindo dívidas para prosseguir seus estudos. Isso ocorre porque, mesmo que abandonem o curso, a dívida com o FIES continua.

Em entrevista ao G1[2], a estudante de medicina Girlene Soares, de Campina Grande (PB), diz que, de um semestre para o outro, viu a contrapartida paga à universidade ir de R$ 225 para R$ 946. “Minha família é da zona rural. Eu comprovei a renda de um salário mínimo (R$ 1.320), mas agora preciso pagar quase isso por mês? Como que se vive assim?”, lamenta.

Também ao portal, a estudante Gabrielle Gonçalves, de Paracatu (MG), relata que o FIES cobre 78% da mensalidade de R$ 9.558,00 por causa dos critérios de renda familiar. A coparticipação dela, hoje, é de R$ 2.103 todo mês.

“No começo, era mais barato. Eu pagava R$ 800, com a ajuda da minha família. Mas aí a faculdade aumentou”, pontua. “Todo ano, há um reajuste, e a porcentagem de cobertura do financiamento não aumenta. Vai ficando insustentável. Estou escolhendo quais contas pagar no fim do mês”, diz Gabrielle.

Não é surpreendente, portanto, que nos últimos anos, o número de contratos de financiamento tenha caído significativamente (confira no gráfico):

    • 2014: 732.723
    • 2016: 206.514
    • 2018: 82.797
    • 2020: 54.026
    • 2022: 50.762

 

E as instituições de ensino superior?

 

A situação também é prejudicial para as faculdades, centros universitários e universidades particulares, pois as mudanças implementadas no FIES não afetaram apenas os estudantes. O programa passou a limitar (e até negar) o financiamento de cursos com base na nota obtida no Ministério da Educação (MEC), dependendo da pontuação no Enem ou do percentual de reajuste semestral obrigatório aplicado pelas universidades.

Além de alterar o fluxo de repasse das mensalidades para as instituições, o percentual de integralização pago pelas IES ao Fundo Garantidor do FIES, criado para cobrir a inadimplência, tem atingido valores exorbitantes, principalmente devido à dificuldade dos estudantes em pagar as mensalidades, piorando ainda mais a situação que se instaurou nas instituições de ensino após a pandemia de COVID-19.

Com a inadimplência em alta, as IES não apenas deixam de receber os repasses, mas também precisam desembolsar recursos de seu próprio caixa para suprir essa deficiência. Essa situação compromete a capacidade financeira das mantenedoras das instituições que aderiram ao programa, o que pode comprometer a sustentabilidade do programa em sua totalidade.

 

Revisão do Programa

 

Para a FPeduQ, a discussão sobre a correção do reajuste do teto do FIES é urgente. Uma revisão do programa, eliminando o teto e garantindo a cobertura integral das mensalidades, principalmente para os estudantes com renda familiar mais baixa, é imprescindível para assegurar e reafirmar o caráter social do FIES, colocando-o novamente como uma importante política de acesso ao Ensino Superior.

Com o objetivo de contribuir para melhorias, o presidente da Frente, deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), protocolou na Câmara dos Deputados uma Indicação ao MEC sugerindo a eliminação ou correção do teto atual do FIES, levando em consideração a correção pelo IPCA e a variação do valor das semestralidades praticadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES), que aumentaram em 36,7% no mesmo período, em média.

Além disso, o parlamentar também solicitou, por meio do Projeto de Lei 2750/23, a manutenção de um teto de 25% para o aporte das instituições de ensino ao Fundo Garantidor do FIES (FG-FIES).

O MEC também está discutindo melhorias para o FIES por meio de um Grupo de Trabalho (GT) criado em março de 2023. A promessa é reavaliar o teto, desburocratizar o programa e torná-lo “mais social, justo e transparente”[3].

Cabe destacar que hoje quase 90% dos estudantes das IES particulares pertencem às classes C, D e E. A manutenção do FIES e uma reestruturação do programa, portanto, são essenciais para garantir a inclusão e a permanência dos brasileiros mais pobres no Ensino Superior.

Assegurar a sustentabilidade do FIES é também o caminho para que a educação de qualidade continue a transformar a vida de milhões de brasileiros que sonham em obter um diploma para melhorar sua própria realidade. Para que a educação de qualidade continue sendo inclusiva e justa, o FIES não pode continuar se afastando de seu caráter social.

 

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